sábado, 16 de abril de 2011
FINGIR QUE ESTÁ TUDO BEM
fingir que está tudo bem:
o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro,
rastos de chamas dentro do corpo,
gritos desesperados sob as conversas.
fingir que está tudo bem:
olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite,
as pessoas não imaginam,
são tão ridículas as pessoas, tão desprezíveis,
as pessoas falam e não imaginam, nós olhamo-nos.
fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo,
tempestades de medo nos lábios a sorrir:
será que vou morrer? pergunto dentro de mim,
será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes,
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva
que não se pode dizer, amor e morte,
fingir que está tudo bem:
ter de sorrir,
um oceano que nos queima,
um incêndio que nos afoga.
(José Luís Peixoto)
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